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Você já se pegou em pânico durante uma tempestade, imaginando o que poderia acontecer com seus eletrodomésticos. Em um piscar de olhos, a força de raios ou uma falha na rede elétrica pode gerar perigosos surtos de tensão, danificando seus aparelhos irremediavelmente.
Felizmente, existe um componente fundamental que atua como um verdadeiro para-raios invisível dentro do seu quadro de distribuição. O nome dele é Dispositivo de Proteção contra Surtos – DPS.
O que são os surtos de tensão
Um surto de tensão não é o mesmo que uma sobrecarga. Enquanto a sobrecarga é um aumento contínuo da corrente, o transitório é um pico de voltagem extremamente rápido e de alta intensidade, medido em milionésimos de segundo.
A causa mais conhecida são os raios, que mesmo caindo a quilômetros de distância, podem induzir um transitório na rede elétrica.
Mas não é só isso.
Picos de tensão podem ocorrer também por manobras da concessionária de energia ou até mesmo pelo ligamento e desligamento de grandes motores em sua vizinhança. Esses picos “fritam” os componentes eletrônicos mais sensíveis, danificando-os permanentemente.

Leia também:
- Interruptor Diferencial Residual (IDR): Proteção essencial em instalações elétricas
- Disjuntor: Fundamentos e aplicações
- Quadro de distribuição: Centro de controle e proteção de instalações elétricas
O dispositivo protetor do seu quadro de distribuição
O DPS – dispositivo protetor – é a primeira linha de defesa contra esses eventos. Sua função é monitorar constantemente a tensão do circuito e, quando detecta um pico acima do nível seguro, ele age em milissegundos.
Ele cria um caminho de “fuga” para essa energia excedente, desviando o surto para o sistema de aterramento do imóvel, onde a energia é dissipada de forma segura. É uma ação tão rápida que os aparelhos conectados simplesmente não sentem o impacto.
Caracterização física dos fenômenos de sobretensão
Natureza dos eventos transitórios
As sobretensões transitórias manifestam-se como elevações abruptas do potencial elétrico, caracterizadas por amplitudes elevadas e duração extremamente reduzida, tipicamente na ordem de microssegundos. Estes eventos diferem fundamentalmente das sobrecargas convencionais, que apresentam natureza sustentada e progressiva.
Os surtos de tensão podem ser classificados quanto à sua origem:
- Origem Atmosférica: Descargas elétricas atmosféricas representam a fonte mais significativa de sobretensões. O acoplamento eletromagnético entre o canal de descarga e as redes de distribuição pode induzir potenciais de milhares de volts, mesmo quando a descarga ocorre a considerável distância da instalação. A propagação destes transientes através da infraestrutura elétrica pode afetar equipamentos localizados a quilômetros do ponto de incidência original.
- Origem Industrial: Manobras operacionais em subestações, comutação de cargas capacitivas ou indutivas de grande porte, e operação de equipamentos de alta potência geram picos que se propagam através da rede de distribuição. Estas perturbações, embora de menor magnitude que as atmosféricas, ocorrem com maior frequência e podem causar degradação progressiva dos componentes eletrônicos.
- Origem Local: Operações de comutação em motores de grande porte, transformadores, e equipamentos de soldagem podem gerar transitórios localizados que afetam circuitos adjacentes dentro da mesma instalação.

Parâmetros técnicos fundamentais
A caracterização completa de um surto de tensão requer a análise de diversos parâmetros:
- Amplitude de Pico: Valor máximo da sobretensão, expresso em múltiplos da tensão nominal
- Taxa de Crescimento (dV/dt): Velocidade de elevação da tensão, crítica para a resposta dos dispositivos de proteção
- Energia Específica: Quantidade total de energia associada ao evento transitório
- Duração: Tempo total do fenômeno, influenciando o mecanismo de proteção necessário
- Forma de Onda: Característica temporal que determina o comportamento dos componentes do sistema.
Princípios de funcionamento dos dispositivos de proteção
Tecnologias empregadas
Os dispositivos contra sobretensões utilizam diferentes tecnologias, cada uma com características específicas adequadas a diferentes aplicações:
- Varistores de Óxido Metálico (MOV): Componentes não-lineares baseados em óxido de zinco que apresentam resistência elevada em condições normais de operação e baixa resistência quando submetidos a sobretensões. A característica tensão-corrente altamente não-linear permite que o dispositivo conduza correntes elevadas mantendo a tensão de proteção em níveis seguros.
- Centelhadores a Gás: Dispositivos baseados em descargas controladas em atmosfera gasosa inerte. Apresentam capacidade de corrente elevada e tensão residual baixa, sendo particularmente adequados para proteção contra transitórios de alta energia.
- Diodos de Avalanche: Semicondutores que operam no regime de ruptura avalanche, oferecendo resposta extremamente rápida e tensão de proteção precisa. São especialmente indicados para proteção de circuitos eletrônicos sensíveis.
Mecanismo de atuação
O funcionamento dos DPS’s baseia-se no princípio de limitação de tensão através do estabelecimento de um caminho de baixa impedância para a corrente de descarga.
Quando a tensão no circuito excede o limiar de atuação do DPS, este altera drasticamente sua impedância, desviando a corrente excedente para o sistema de equalização de potencial.
A eficácia desta operação depende criticamente da coordenação entre o dispositivo de proteção e o sistema de aterramento, que deve proporcionar um caminho de baixa impedância para a dissipação da energia transitória.

Corrente nominal de descarga
A seleção adequada de um dispositivo de proteção – DPS requer a determinação da corrente nominal de descarga (In), expressa em kiloampères. Este parâmetro define a capacidade do dispositivo para conduzir correntes de descarga sem degradação de suas características de proteção.
A corrente de descarga esperada em uma instalação depende de múltiplos fatores:
- Exposição da instalação a descargas atmosféricas
- Características da rede de distribuição local
- Impedância do sistema de aterramento
- Configuração da instalação elétrica
Níveis de proteção
O nível de proteção (Up) constitui o parâmetro fundamental para garantir a segurança dos equipamentos conectados. Este valor representa a tensão máxima que aparece nos terminais do DPS durante a condução da corrente nominal de descarga.
A coordenação adequada entre o nível de proteção e a suportabilidade dos equipamentos protegidos é essencial para garantir a eficácia do sistema de proteção.
Corrente de seguimento
Em sistemas de corrente alternada, a corrente de seguimento (If) representa a corrente da rede que pode continuar fluindo através do dispositivo após a extinção do transitório. A capacidade de interrupção desta corrente é fundamental para evitar a sustentação de arcos elétricos e possíveis falhas no sistema.
Como dimensionar – kiloampere e as classes de proteção
Para garantir a proteção adequada, o dispositivo DPS precisa ser dimensionado corretamente. A característica técnica mais importante é a sua capacidade de suportar a corrente de descarga, medida em kiloampere (kA). Um valor de kA mais alto significa que o dispositivo consegue suportar um transitório mais intenso.
Essa capacidade está diretamente ligada à sua classe de proteção, que define o local ideal de instalação:
- Classe I: Instalado no ponto de entrada da energia (quadro principal/medição). É o primeiro a agir, suportando correntes de descarga de alta magnitude, típicas de descargas diretas ou muito próximas. São robustos e indispensáveis em locais com alto risco de queda de raios.
- Classe II: É o tipo mais comum em quadros de distribuição residenciais e comerciais. Protege contra surtos induzidos pela rede e picos de menor intensidade. Atua em conjunto com a Classe I ou, em locais de baixo risco, sozinho.
- Classe III: O “último degrau” da proteção. Geralmente são dispositivos de proteção instalados em tomadas ou filtros de linha, próximos ao equipamento. Protegem aparelhos sensíveis contra transitórios residuais que “passaram” pelas classes I e II.

Instalação em cascata – coordenação escalonada
A implementação de proteção escalonada constitui a estratégia mais eficaz para sistemas de proteção abrangentes. Esta metodologia baseia-se na instalação sequencial de DPS de diferentes categorias, criando níveis sucessivos de proteção que atenuam progressivamente a energia dos transitórios.
A coordenação adequada requer:
- Distanciamento mínimo entre dispositivos consecutivos;
- Impedância adequada dos condutores de interligação;
- Seletividade entre os níveis de proteção;
- Coordenação temporal de atuação.
Aspectos de manutenção e monitoramento
Os dispositivos de proteção apresentam características de degradação progressiva relacionadas ao número de operações e energia dissipada cumulativa. Sistemas modernos incorporam:
- Indicadores Visuais: Elementos que alteram cor ou posição para sinalizar a necessidade de substituição.
- Contadores de Eventos: Dispositivos eletrônicos que registram o número de operações e permitem o acompanhamento do histórico de sobretensões.
- Monitoramento Remoto: Sistemas que transmitem informações sobre o estado dos dispositivos para centrais de supervisão.
Limitações e complementaridade
Escopo de Proteção
Os dispositivos de proteção contra sobretensões atuam especificamente sobre surtos de tensão, não oferecendo proteção contra:
- Interrupções de fornecimento;
- Variações lentas de tensão;
- Desequilíbrios de fases;
- Harmônicas de baixa frequência.
Dispositivos complementares
A proteção completa de instalações elétricas requer a coordenação com outros dispositivos:
- Dispositivos Diferenciais Residuais (IDR): Proteção contra choques elétricos e incêndios por correntes de fuga.
- Disjuntores Termomagnéticos: Proteção contra sobrecargas e curto-circuitos.
- Relés de Subtensão e Sobretensão: Proteção contra variações sustentadas de tensão.
- Filtros de Harmônicas: Atenuação de distorções de forma de onda.
Aspectos econômicos e de confiabilidade
Análise custo-benefício
A implementação de sistemas de proteção contra surtos de tensão deve ser avaliada considerando:
- Valor dos equipamentos a proteger;
- Frequência esperada de eventos transitórios;
- Custos de interrupção operacional;
- Custos de manutenção corretiva versus preventiva.

Confiabilidade do sistema
A confiabilidade de sistemas de proteção pode ser quantificada através de:
- Taxa de falhas dos dispositivos;
- Disponibilidade operacional;
- Tempo médio entre falhas (MTBF);
- Tempo médio de reparo (MTTR).
Tendências tecnológicas e desenvolvimentos futuros
Tecnologias emergentes
O desenvolvimento de novos materiais e tecnologias promete aprimorar significativamente as características dos dispositivos de proteção:
- Materiais Nanoestruturados: Varistores com características aprimoradas de não-linearidade e capacidade de energia.
- Dispositivos Híbridos: Combinação de diferentes tecnologias para otimizar características de proteção.
- Sistemas Inteligentes: Integração com sistemas de automação predial e industrial para monitoramento e diagnóstico avançados.
Norma e regulamentação
A evolução normativa contempla:
- Harmonização internacional de requisitos;
- Incorporação de novas tecnologias de ensaio;
- Desenvolvimento de métodos de avaliação de vida útil;
- Requisitos de sustentabilidade e reciclabilidade.

Conclusão
A proteção contra surtos de tensões constitui elemento fundamental para a operação segura e confiável de sistemas elétricos modernos. A seleção, dimensionamento e instalação adequados dos dispositivos requerem conhecimento técnico especializado e consideração cuidadosa das características específicas de cada aplicação.
A implementação de estratégias de proteção coordenada, aliada à manutenção adequada dos sistemas de aterramento e monitoramento sistemático da condição dos dispositivos, proporciona elevados níveis de confiabilidade e proteção patrimonial.
O investimento em sistemas de proteção adequados justifica-se não apenas pelos benefícios diretos de proteção de equipamentos, mas também pela contribuição para a continuidade operacional, redução de custos de manutenção e preservação da vida útil dos componentes eletrônicos sensíveis.
A evolução tecnológica contínua nesta área promete dispositivos cada vez mais eficazes, inteligentes e integrados aos sistemas de automação, consolidando a proteção contra sobretensões como elemento indispensável da engenharia elétrica moderna.